segunda-feira, 17 de junho de 2013

A ESCOLA E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO (RESENHA)

A ESCOLA E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO (RESENHA)



CORTELLA, Mario Sergio: A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos/ Mario Sergio Cortella – 5. ed. – São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001.

No capítulo intitulado “A escola e a construção do conhecimento”, o autor Mario Sergio Cortella faz uma análise sobre o processo de construção do conhecimento, mostrando que a escola possui, ainda, uma visão do conhecimento como algo pronto em si mesmo e sem nenhuma relação com a produção histórica. Outra visão presente no meio escolar é a de que o conhecimento também pode ser visto como um objeto mágico, transcendental.
O tipo de conhecimento repassado aos alunos é de um conhecimento não relacionado com a vida real dos alunos, uma vez que não se permite aos alunos perceberem como ocorre o processo de construção do conhecimento e a relação existente entre o conhecimento científico e o senso comum no cotidiano das pessoas. Enquanto isso, a visão de mundo transmitida pela mídia, por exemplo, é de uma noção triunfalista da ciência como sendo um saber infalível e absoluto.
 Na primeira parte o autor aborda o papel da relativização como uma necessidade para construção do conhecimento e um caminho para se vencer a mitificação. Por isso, escreve que o conhecimento nasce de acordos circunstanciais e convencionais apresentando-se como verdade absoluta. Entretanto, tais acordos não devem ser encarados como a única possibilidade de interpretação.
Assim, a relativização permite compreender que os mitos têm a função de transformar as coisas naturais em objetos ou acontecimentos sobrenaturais, coisas simples, que muitas vezes podem ser explicadas em coisas fantásticas ou mágicas. Criando assim, uma compreensão distorcida da realidade. Logo, a necessidade de compreender e de “relativizar” a realidade do mito, da religião e do senso-comum é uma forma de construção do saber.
 O segundo aspecto abordado pelo autor é sobre a intencionalidade, a pré-ocupação e o erro como instrumentos para elaboração e reelaboração do conhecimento, pois todo saber pressupõe uma intencionalidade. Sendo assim, não existe busca pelo saber sem uma finalidade.
Nesse sentido, o método é visto como instrumento de intencionalidade, onde propiciar a mais completa consecução da finalidade é fazer uso de um bom método. Já a relação existente entre intencionalidade e a aproximação com a verdade depende dos valores sociais e históricos presentes nessa intencionalidade, uma vez que é através dessa intencionalidade que pode ser produzida a visão que se tem do mundo. Assim, os seres humanos como geradores de intenção passam a ser vistos também como métodos, pois a nossa existência é resultado do que pensamos e fazemos dentro de nossa existência.
Nesse ponto, o erro através das experiências sucessivas, tem a função de elaboração e reelaboração no processo de construção do conhecimento. Por isso, o ensino deve partir das preocupações do mundo real, com suas contradições e acertos.
 O terceiro ponto de análise revela um processo de ensino aprendizagem cheio de ritualismo, que esse processo pode ocorrer de forma mais descontraída e que não existe neutralidade, pois está cercado de princípios sociais e históricos.
Há um distanciamento entre o mundo dos alunos e mundo das aulas escolares. A monotonia do ambiente da sala de aula, a ritualidade na utilização do método tradicional, professores que transformam a sala em um ambiente teatral configuram, nos alunos, o desinteresse pela sala de aula.
A utilização do lúdico nas salas de aula e a relação entre efetividade como forma de propiciar aos alunos o desenvolvimento da habilidade de criar e recriar o conhecimento na escola, é a habilidade de saber falar prazerosamente sobre as coisas. Observar a sala de aula como símbolo do lugar de amorosidade que é o sentir num processo de encantamento recíproco que resulta em alegria e saber.
Existe ainda uma ligação entre o interesse pelo conhecimento e a luta pelo poder, uma vez que as situações históricas e sociais influenciam diretamente o processo de formação do conhecimento.
 Percebe-se que o autor, em suas palavras, remete-nos a idéia do fracasso escolar, de uma escola não comprometida, de professores desmotivados e sem preparo para acompanharem o ritmo de mudanças que a sociedade exige. Observa-se ainda, que a forma “conteudista” de ensinar é prevalecente na prática de muitos professores que transformam as salas de aulas em locais de ritualismo ou em verdadeira apresentação teatral e que o distanciamento entre os conteúdos da escola e o mundo dos alunos são umas das causas do desinteresse dos alunos pela sala de aula.
As mutações pelas quais tem passado as sociedades não seriam obstáculos para a escola se esta não furtasse aos alunos o direito de se perceberem como parte integrante no processo de construção do conhecimento. Logo, fazer uma relativização entre os conteúdos e a finalidade de existência desses conteúdos, sem dúvida seria um passo muito importante para desmistificar o conhecimento e descobrir os aspectos de intencionalidade presentes nos saberes ensinado na escola.
Por isso, o ensino deve utilizar-se da problematização e visualizar o erro não como produto de fracasso, mas como tentativas de acertos e busca de aprimoramento. Atividades lúdicas e exercitar a afetividade são meios de desenvolver habilidades e transformar o ambiente da sala de aula em um lugar prazeroso.

Portanto, construir conhecimento é antes de tudo não fugir do seu compromisso político, é preparar o homem para o mundo cada vez mais competitivo e exigente. É perceber-se e fazer-se percebido como participante na construção da história cultural e social.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

INDISCIPLINA NA ESCOLA E A CRISE DE AUTORIDADE DOCENTE: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO

A psicopedagogia tem como alvo prevenir ou reverter possíveis dificuldades relacionadas a aprendizagem. No trabalho psicopedagógico de intervenção são considerados vários fatores em relação à instituição a ser atendida, desde a comunidade a qual pertence, o histórico da própria instituição, as características estruturais e de gestão, bem como os agentes envolvidos no processo do aprender e do ensinar.
Nesta perspectiva de visão psicopedagógica, que serve como referencial, é que este trabalho tem como fundamento norteador das estratégias de intervenção a realidade da instituição Escola Municipal Iolanda Raulino.
A escolha da instituição acima referida seguiu-se de maneira criteriosa partindo das observações descritas pelo manual de estágio supervisionado em psicopedagogia institucional, onde dois pontos foram fundamentais como: não possuir vínculo profissional com a escola e não ter qualquer parente próximo ou pessoas da intimidade que façam parte do quadro de alunos, professores, funcionários e gestores.
A partir de então, por meio de observações, entrevistas e dados levantados foi possível compreender o seu funcionamento, em termo de aspecto geral e do cotidiano escolar, desde a convivência entre aluno x aluno, professores x professores, alunos x professores, alunos x direção e direção x professores e demais funcionários é que o olhar psicopedagógico. Tomando sentido sobre a realidade encontrada, passa a planejar ações que visem melhorar e ampliar o trabalho da instituição escolar.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo a amostragem da instituição no período noturno, na modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos - EJA, com relação a situação motivacional dos professores e dos alunos da Escola (PREFIRO NÃO DECLARAR), com o propósito de elaborar ações que visem elevar a autoestima  e o gosto pelos estudos, bem como o interesse proativo dos educadores para dar mais qualidade ao ensino.
A educação, num sentido mais amplo, não deixa dúvida da sua função social, sendo um fator decisivo da hominização e, em especial, da humanização do homem. Os grupos humanos, constituídos culturalmente como tal, elaboraram, ao longo do tempo, instrumentos, artefatos, costumes, normas, códigos de comunicação e convivência como mecanismos imprescindíveis para sua sobrevivência. Esses mecanismos não se fixam biologicamente nem se transmitem através da herança genética. Os grupos humanos põem em andamento processos externos de transmissão para garantir a sobrevivência das novas gerações e de suas conquistas sociais. Esse processo costuma ser genericamente denominado de educação.
A educação não pode ser considerada como um processo linear, mecânico. Pelo contrário, é um processo complexo e sutil, marcado por profundas contradições e por processos coletivos, contínuos e permanentes de formação de cada indivíduo, o que se dá na relação entre os indivíduos e entre estes e a natureza. A escola é o local privilegiado dessa formação porque realiza um trabalho sistemático e planejado com o conhecimento, com valores, com atitudes e com a formação de hábitos. Em muitos momentos a atuação da escola foi associada à função de formar a classe subalterna, o cidadão dócil e o operário competente, por priorizar a dimensão técnica, ensinando álgebra, ciências e outros conteúdos, sem os quais a força de trabalho não seria capaz, supostamente, de desempenhar de forma satisfatória o seu papel na indústria moderna.
A escola é uma instituição extremamente complexa. Sua função tradicional é a de facilitar a inserção do indivíduo no mundo social. O indivíduo deve aprender as formas de conduta social, os rituais e as técnicas para sobreviver. Ao longo do tempo as funções da escola foram sendo ampliadas, passando a abranger outras, tais como: cuidar das crianças enquanto os pais trabalham; socialização, colocando as crianças em contato com outras e ensinando normas básicas de conduta; aquisição de habilidades básicas como ler, escrever, expressar-se, lidar com a aritmética, os conhecimentos científicos; orientação às crianças nos ritos de passagem para a adolescência, visto que é uma fase bastante difícil devido às mudanças biológicas e psicológicas que ocorrem no organismo. Tratando-se de instituição Guirado, 1997, p.34, escreve:

Estamos definindo as instituições como relações ou práticas sociais que tendem a se repetir e que, enquanto se repetem legitimam-se. Existem, sempre, em nome de um ‘algo’ abstrato, o que chamamos de seu objeto. Por exemplo, a medicina pode ser considerada, segundo nossa definição, uma instituição e seu objeto, pode-se dizer, é a saúde. As instituições fazem-se, sempre também, pela ação de seus agentes e de sua clientela. De tal forma que não há vida social fora das instituições e sequer há instituição fora do fazer de seus atores.

Sob este olhar, o objeto da escola é a educação e o conhecimento. É esta instituição que também promove ritos de iniciação de um nível escolar para outro, que às vezes submetem os indivíduos “a provas que servem de seleção para a vida social, que estabelecem discriminações entre elas, pois só as que adquirem as competências estabelecidas pela sociedade serão aceitas”. (FREITAG, 1980, p. 32).
O cotidiano escolar também está marcado pela violência que aparece na forma de segregação, exclusão e indiferença ao outro. No entanto, esses acontecimentos não são produzidos apenas ao nível individual e nem tampouco somente pelos alunos. Essas práticas são moldadas pelos valores, regras e princípios sociais adotados pelos diferentes atores, adultos e jovens, que se fazem presentes no contexto escolar. As diferenças são produzidas socialmente e se vinculam às relações de poder que permitem incluir ou excluir pessoas, demarcar fronteiras, diferenciar entre o nós e o eles. Segundo Arroyo (1995, p. 36):

A educação moderna vai se configurando nos confrontos sociais e políticos, ora como um dos instrumentos de conquista da liberdade, da participação e da cidadania, ora como um dos mecanismos para controlar e dosar os graus de liberdade, de civilização, de racionalidade e de submissão suportáveis pelas novas relações sociais entre os homens.

Os valores sociais invadem a escola e não sendo discutidos educativamente contribuem para a formação de preconceitos. É importante, assim, que analise-se as práticas, valores e informações que são veiculadas no âmbito escolar buscando o desvelamento e não o acobertamento das práticas de discriminação e de intolerância que podem gerar violências entre os adolescentes e jovens no contexto escolar e entre estes e os adultos.
Concordamos com Miguel Arroyo quando, ao abordar a configuração da educação de jovens e adultos e da juventude nesse cenário, afirma que:
(...) o que há de mais esperançoso na configuração da EJA como campo específico de educação é o protagonismo da juventude. Esse tempo da vida foi visto apenas como uma etapa preparatória para a vida adulta. Um tempo provisório. Nas últimas décadas, vem se revelando como um tempo humano, social, cultural, identitário que se faz presente nos diversos espaços da sociedade, nos movimentos sociais, na mídia, no cinema, nas artes, na cultura... Um tempo que traz suas marcas de socialização e sociabilidade, de formação e de intervenção. A juventude e a vida adulta como um tempo de direitos humanos, mas também de sua negação (ARROYO, 2005, p. 21).

A juventude parece conviver com um movimento de ampliação do distanciamento existente entre seus reais interesses e perspectivas e as questões da escola. Se considerarmos a trajetória da instituição escolar, podemos perceber que a escola não se acostumou a interagir com os movimentos da sociedade. Parece caminhar num outro ritmo. A escola, em geral, ainda se fecha em si mesma criando, por conseguinte, um distanciamento cada vez maior de, ao menos, uma parte de seus atores.
Em geral, violência é conceituada como um ato de brutalidade, física e/ ou psíquica contra alguém e caracteriza relações interpessoais descritas como de opressão, intimidação, medo e terror. A violência pode se manifestar por signos ou por símbolos, preconceitos, metáforas, desenhos, isto é, por qualquer coisa que possa ser interpretada como aviso de ameaça, o que ficou conhecido como violência simbólica.
Hoje infelizmente, a violência faz parte do cotidiano do jovem. Muitos deles destacam que ela está se tornando cada vez mais freqüente no seu dia-a-dia e que, muitas vezes, nem se reconhece mais, pequenos atos como violentos. A violência que esses pequenos atos passam a serem considerados normais, devido à sua freqüência, acaba-se banalizando a violência, o que contribui para atitudes de agressão e de desrespeito ao outro, seja por parte do aluno, seja por parte do professor.
No cotidiano escolar as pequenas violências ou as pequenas agressões do cotidiano se repetem sem parar como a falta de polidez, a transgressão aos códigos de boas maneiras ou a ordem estabelecida o que difere da violência das condutas criminosas ou delinqüentes.
No âmbito escolar a violência é atribuída a fatores relacionados à ordem social mais ampla que, no entanto, repercutem na escola, como a exclusão social, a deslegitimação da política e das instituições sociais, as ideologias autoritárias e as dificuldades de definição e percepção do futuro e a identidade social. A violência no contexto escolar também pode ser desencadeada pelos estereótipos dos adultos em relação ao jovem e ao adolescente (SALLES, 1998) e pelos preconceitos, discriminações e estigmas que, embora sejam de origem social, adentram o espaço escolar (SALLES e SILVA, 2008, CAMACHO, 2001)
Somam-se a esses fatores outros mais diretamente vinculados à escola, como a perda da crença na legitimidade da escola e a deslegitimação dos diplomas,  a percepção de que é difícil atingir os objetivos preconizados pela escola como status e ascensão social (BOURDIEU, 1999), a exclusão na convivência escolar.
A indisciplina em sala de aula é, hoje, um fenômeno que vem sendo discutido em nossa sociedade de forma cotidiana, seja em meios acadêmicos, familiares ou pela mídia.
Considerando que a indisciplina ocupa lugar de destaque entre as maiores preocupações pedagógicas, nos sentimos impulsionados a compreender este fenômeno a partir da análise de noções trabalhadas em diferentes autores.
Para Freire (1997) em pedagogia da autonomia diz que, um projeto de escola que busque a formação da cidadania precisa ter como objetivos: tratar todos os indivíduos com dignidade, com respeito à divergência, valorizando o que cada um tem de bom; fazer com que a escola se torne mais atualizada para que os alunos gostem dela; e, ainda, garantir espaço para a construção de conhecimentos científicos significativos, que contribuam para uma análise crítica da realidade.
A indisciplina escolar não envolve somente características encontradas fora da escola como problemas sociais, sobrevivência precária e baixa qualidade de vida, além de conflitos nas relações familiares, mas aspectos envolvidos e desenvolvidos na escola como a relação professor-aluno; a possibilidade do cotidiano escolar ser permeado por um currículo oculto; entre outros.
Portanto, a indisciplina escolar pode ser atribuída a fatores externos à escola e/ou a fatores que envolvem a conduta do professor, sua prática pedagógica e até mesmo, práticas da própria escola que podem ser excludentes. Araújo (2002, p. 232) orienta o caminho a seguir:
Enfrentar as indisciplinas da vida exige dos profissionais da educação uma nova postura, democrática e dialógica, que entenda os alunos não mais como sujeitos subservientes ou como adversários que devem ser vencidos e dominados. O caminho é reconhecer os alunos como possíveis parceiros de uma caminhada política e humana que almeja a construção de uma sociedade mais justa, solidária e feliz. Para isso, as relações na escola devem ser de respeito mútuo, a diversidade de interesses pessoais e coletivos deve ser valorizada, e a escola deve buscar construir uma realidade que atenda aos interesses da sociedade e de cada um de seus membros.

Dessa forma, Araújo (2002) discute que a escola passa a receber sujeitos não homogêneos, provindos de diferentes classes sociais, com diferentes histórias de vida e com uma “bagagem” que, muitas vezes é negada pela escola.
A perspectiva institucional aponta, portanto, alguns indicativos de que a indisciplina está relacionada a problemas oriundos da e na própria instituição, embora não negue a existência de que conflitos externos também intervenham na relação interpessoal na escola.